Apuí

 

          O Município de Apuí se originou do projeto de Assentamento Rio Juma. Criado pelo Governo Federal através do decreto nº 238/82 em 30 de agosto de 1982 o Projeto de Assentamento Rio Juma tinha como principal objetivo o desenvolvimento da região sudoeste do Amazonas. Com o lema “integrar para não entregar” o Governo Militar incentivou vários projetos com essas características ao longo da BR TRANSAMAZÔNICA

         Com uma área de 680.000 há e capacidade de assentamento para 7.500 famílias, o PA/RIO JUMA foi administrado pelo INCRA que recrutou famílias na Região Sul do Brasil na década de 80, sendo estes os principais clientes do modelo de Reforma Agrária adotado pelo Regime Militar.

         Já no primeiro ano, cerca de 60% dos assentados se evadiram de suas propriedades em razão da dificuldade que tinham em conviver com as armadilhas da floresta até então intacta. Somado a isso, percebeu-se tão logo que aqui se fixaram, a falta de comprometimento do poder público com as propostas inicialmente acordadas, após a suspensão da ajuda de custo prometida pelo INCRA, que deixou de pagá-la após 6 meses de vigência.

         Parte dos que resistiram, encontrou na exploração do garimpo, atividade exercida alternadamente com a agricultura, uma forma de fomentar a produção agrícola. Esse período se coincidiu com uma das piores crises vividas pelo País. Em tempos de inflação descontrolada o ouro passou a ser não apenas uma das principais fontes de riqueza da região, mas foi adotado também como a principal moeda para o mercado de capitais.

         Em 1987 como se tornava insustentável a administração de todos os problemas vividos pela população local, esta se organizou e reivindicou apoio junto ao Governo do Estado que prontamente interveio criando o Município de Apuí através da Lei nº. 1826/87.

         A criação do Município de Apuí teria sido um grande sopro para a economia local, não fosse a crise do Governo do então Presidente da República José Sarney que entre outros problemas desencadeou na extinção do garimpo, onde se refugiavam os agricultores na busca de recursos para o sustento da família e subsídio para a agricultura familiar, uma vez que os incentivos federais eram insignificantes. Os problemas ainda foram agravados com a eleição de Collor de Melo que confiscou as contas bancárias em março de 1990 impedindo que alguns investimentos privados fossem efetivados com o objetivo de fomentar a produção agrícola local. Apesar da crise nacional, com a emancipação, Apuí passou a receber investimentos na sua infra-estrutura urbana, e incentivos à produção, o que manteve em parte, o fluxo de produtores rurais para a região sudoeste do Amazonas.

         No ano de 1992, em razão do êxodo de famílias de agricultores oriundos do Mato Grosso, criou-se o Projeto de Assentamento Acari através da resolução n.º 186/92, com capacidade para 1773 famílias.

        Com a recuperação econômica do Plano Real as reformas aumentaram, a disponibilidade de capital e a eleições municipais em 1994, resultaram no aumento do crédito agrícola. A partir daí, atraídos pela propaganda do crédito fácil, um grande número de pessoas foram assentados nos Projetos Rio Juma e Acari, sem a observação de critérios necessários ao processo seletivo, resultando na evasão de grande parte desses “produtores” que não se incluíam no perfil característico dos clientes da reforma agrária.

        Alem disso contribuiu para a decadência dos PAs, a falta de comprometimento do poder público com as ações necessárias ao processo produtivo tais como: execução das obras de infra-estrutura(escolas, estradas, postos de saúde, etc.); recursos para fomento e alimentação insuficientes uma vez foi priorizada a quantidade dos benefícios aos assentados em detrimento da qualidade dessa assistência; atuação de atravessadores que retinham grande parte dos recursos oriundos do crédito destinado ao produtor rural, etc..

        Já em 1997 esses problemas haviam tomado proporções catastróficas, obrigando a Prefeitura Municipal de Apuí em conjunto com Associações de Produtores Rurais, INCRA, IDAM, câmara de vereadores e comunidade em geral a promover um encontro que teve como resultado um relatório que naquela época apontavam uma série de problemas que assolavam a população. O relatório cuja íntegra vai transcrita em anexo apontava entre outros problemas:

• Assentamento de pessoas evadidas de outros projetos e, muitas vezes voltando para o assentamento de origem para continuar suas atividades normais depois de ter se beneficiado pelos créditos dos PAs Rio Juma e Acari gerando uma corrente migratória de vinda e ida. Do total de 5000 famílias assentadas no período de 1983 a 1997, permaneciam nos lotes cerca de 1617 famílias, acusando uma evasão de 47,6%.

• Baixa ou nenhuma produção pela falta de produção agrícola e inexperiência no manejo da terra por boa parte dos selecionados, alem da falta de acompanhamento nas atividades do assentado, permitindo o alto índice de evasão e abandono de lotes, inviabilizando a emancipação econômica do Município e do próprio agricultor.

• As dificuldades geraram um alto grau de comprometimento dos assentados em relação aos compromissos com a reforma agrária.

• A repetição do não cumprimento por parte do INCRA com os compromissos assumidos junto aos assentados da época da implantação do Projeto em 1982 se repetiram quinze anos depois com a mesma intensidade, contribuindo para elevar os altos índices de evasão. 31,6% da população rural se encontrava distribuídas em mais de 500 km de picada sem nenhuma condição de assistência com saúde, educação, transporte, etc. Diante da situação os assentados se evadiam dos lotes e ocupavam terrenos urbanos causando um grave problema social e econômico na sede do município.
• Falta de recursos humanos para gerir a grandiosidade do projeto;Baixa produtividade em razão do zoneamento ecológico econômico, que levou o produtor a implantar culturas em áreas inadequadas para as mesmas;

• Falta de titulação das parcelas com vários anos de assentamento;

• Alem dessas observações o relatório apontava ainda, varias irregularidades seguidas das mais diversas sugestões para sanar as mesmas.

       Após a elaboração do diagnóstico e debate acerca das possíveis soluções, articulou-se um encontro com segmentos dos governos Federal e Estadual com o intuito de debater o assunto. Como as autoridades competentes não se manifestaram, os problemas continuaram até 1998 quando 11 equipes do Projeto LUMIAR se instalaram nos Projetos Rio Juma e Acari.

       Com o Projeto LUMIAR, a constatação de mais problemas cuja solução jamais foi viabilizada. Após um ano, com a extinção do Projeto, os problemas já haviam se multiplicado e os PAs Rio Juma e Acari passavam pela pior crise de que se tem notícias.

        Em 1999, a evasão dos assentados girava em torno de 60%. Os antigos moradores permaneciam nos assentamentos, mas as famílias assentadas recentemente em lugares mais distantes atingiam um índice de evasão ainda mais alarmante. O resultado era a existência de famílias dispersas em uma extensa área sem as condições de se estabelecer laços com características de comunidade, tornando impossível o acesso a educação, transporte, saúde e assistência técnica. “Aqui nós temos carregado muita gente na rede. Eu mais o Raimundo somos uns que carregamos gente na rede. Quando nós terminava de levar, botar um na rede lá fora né, dando socorro, né tudo doente, nós só chegava, botava na rede e tornava sair. Daí o povo foi saindo, saindo, saindo... até quando foi embora todo mundo... ficou só nós” relatou o Sr. Evaristo, morador da Vicinal Amazonas, sobre o fato de ter sido assentado na vicinal junto com outras 9 famílias e após uma epidemia de malária ter ficado apenas na companhia do amigo Raimundo, que participou de uma entrevista documentada pela equipe da prefeitura local.

       Em entrevista publicada pela Folha de São Paulo, o então presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Apuí e atual chefe do escritório local do INCRA, Euclides Motter afirmou que no assentamento, viviam cerca de 3.000 famílias, muito abaixo das 5.329 famílias que o governo federal dizia ter assentado em 1999. "Epidemias de malária afastaram muita gente daqui", afirmou o ex-sindicalista.

        O período entre 1999 e 2000 foi marcado por uma constante peregrinação pela comunidade Apuiense em busca de soluções para esse problema. Essa corrida está documenta em dezenas de ofícios emitidos pela Câmara Municipal de Apuí que recorreu inutilmente a deputados, senadores, órgãos públicos, Governo do Estado e Até à presidência da República.

        Em meados de 2000 com o melhoramento genético, o controle da aftosa, e a conquista do mercado internacional pelos produtores de carne bovina, os lucros alcançados pela pecuária atraiu investidores de todo o País. Esse fato impulsionou a atividade pecuária no Sul do Amazonas, inclusive em Apuí, onde os pequenos produtores já sentiam a necessidade de aumentar suas pastagens.

        As características do município de Apuí atraíram a atenção de colonos brasileiros que estavam deixando o Paraguai, onde haviam se estabelecido e prosperado havia alguns anos. O capital trazido por esse grupo denominado “Brasiguaios” inflacionou o mercado imobiliário em razão dos altos investimentos por ele efetuado tanto no setor urbano quanto no meio rural. Nesse período o valor das propriedades se multiplicou. O termo “brasiguaio” que nos Sul do Brasil era considerado pejorativo (sem terras no Brasil que haviam ocupado terras no País vizinho), em Apuí passou a ser visto sinônimo de prosperidade. Foi a partir de 2000 que os produtores aceleraram o processo de ocupação das áreas abandonadas, anexando-as em suas propriedades para posteriormente torná-las produtivas. 

        Nos dois primeiros anos do atual governo houve um distanciamento ainda maior do poder público Federal, reafirmando a política (ou a falta de política) praticada desde 2000, interpretada pela população local como uma estratégia do governo, que ao se afastar dos projetos, criava uma espécie de laboratório onde os rumos da economia local eram orientados pela iniciativa privada que fomentava as principais atividades econômicas aqui praticadas. O resultado da experiência foi o crescimento exponencial da pecuária de corte que somada à pecuária leiteira, já no início de 2005 contabilizava um rebanho estimado em 100 mil unidades de gado bovino.

ZONEAMENTO ECOLÓGICO ECONÔMICO

       Em meados de 2004, se evidenciavam os problemas gerados devido ao crescente fluxo migratório ocorrido naquele ano. Esse fenômeno preocupava por apresentar características diferentes do processo migratório ocorrido em todas as etapas anteriores. Ao contrário do que ocorreu com os primeiros habitantes, que chegaram munido apenas com a força de trabalho e a intenção de aqui fixar residência, diferindo também do perfil característico dos brasiguaios que de boa e valiosa fé se estabeleceram no município com a finalidade de nele produzirem, sobre parte dos que mais recentemente haviam chegado, pairava a suspeição de estes pretendiam fazer uso especulativo da terra, praticando aquilo que se poderia denominar de grilagem. Devido a esse fato, órgãos governamentais e não-governamentais se articularam para a elaboração um plano de zoneamento para a região que embora já conhecido merece atenção especial alguns pontos desse trabalho.

        Firmada em 9 de agosto de 2005, com a participação do INCRA, IBAMA, IPAAM, SDS, etc. a proposta aglutinou as reivindicações das populações tradicionais, que foram beneficiadas com a criação de reservas extrativistas, reservas de desenvolvimento sustentável e projetos de assentamento florestal.

        Foram também contemplado com o acordo, os pecuaristas da região, que aprovaram a proposta de alargamento da faixa ao lado da BR 230 destinada à política fundiária de 10 para 40 km no sentido Apuí/Humaitá, e 20 km no sentido Sucundurí/Tapajós. De acordo com a proposta os pecuaristas ganhariam o direito de regularizar nessa faixa, uma área de até 1000 ha.

        Os assentados dos PAs Rio Juma e Acari foram beneficiados na proposta com a criação da FLONA do Jatuarana. A criação da unidade de conservação seria uma compensação aos desmatamentos que ultrapassaram os 20% da área permitida para a conversão de florestas nativas, ficando os produtores incluídos nessa infração, isentos das penalidades cabíveis e considerados aptos a usufruírem de todas as prerrogativas conferidas pela condição de assentado.

        Alem dos diversos setores da sociedade apuiense, o zoneamento nos moldes acordados atende principalmente as instituições ligadas à preservação ambiental que criaram o mosaico de Unidades de Conservação composto por mais de quatro milhões e quinhentas mil hectares.